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“Fichas Sujas” e inelegíveis tramam no interior para enganar o povo e burlar lei, diz procurador

No último dia 19, o Tribunal de Contas da União – TCU, enviou à Justiça Eleitoral a lista de políticos inelegíveis no Piauí por terem suas contas julgadas irregulares. Referente ao assunto, o advogado e procurador aposentado da Prefeitura de  Teresina, Miguel Dias Pinheiro (foto no alto), fez um parecer jurídico sobre como políticos podem usar táticas para se candidatarem novamente. o advento da Lei da Ficha Suja.

De acordo com o advogado, políticos de cidades do interior farão registros de candidatos mesmo estando inelegíveis e, alguns, inseridos na Lei da Ficha Suja. Segundo ele, como o Registro de Candidatura faz com que o cidadão adquira legitimidade para concorrer a um cargo político eletivo, alcançando a condição de candidato, qualquer impugnação será objeto de julgamento pela Justiça Eleitoral. Como se tratam de eleições municipais, a impugnação de qualquer candidatura terá no mínimo um prazo de 4 meses para transitar em julgado, prazo este usado por políticos para se beneficiarem no período eleitoral.

Confira o parecer do procurador na íntegra:

Com o advento da Lei da Ficha Suja e diante do imenso universo de políticos inelegíveis no Brasil, “espertinhos” procuram saídas nada republicanas para tentar enganar a população, burlar a lei eleitoral e agredir a Constituição Federal.

Para a eleição de 2012, a moda começa a pegar. Políticos de cidades do interior farão registros de candidatos mesmo estando inelegíveis e, alguns, inseridos na Lei da Ficha Suja. Depois de registrados e impugnados, serão substituídos no “apagar das luzes”, faltando apenas 24 horas da eleição do dia 1º de outubro próximo.

Como o Registro de Candidatura é um fato jurídico e com este o cidadão adquire legitimidade para concorrer a um cargo político eletivo, alcançando a condição de candidato, qualquer impugnação será objeto de julgamento pela Justiça Eleitoral. Como se tratam de eleições municipais, a impugnação de qualquer candidatura terá no mínimo um prazo de 4 meses para transitar em julgado, ou seja, somente surtindo efeitos legais tal decisão após acórdão proferido pelos tribunais superiores (TRE ou TSE, conforme o caso), após percorrer uma “via crucis”, um trâmite que se inicia no juízo da jurisdição do impugnado.

Apegando-se a essa morosidade da Justiça, no interior do país espalha-se a notícia de que os “fichas sujas” e os “inelegíveis” – mesmo impugnados – vão usar todos os prazos e recursos possíveis até ás 24 horas antes do pleito, quando deverão ser substituídos por “candidatos laranjas” que ficarão aguardando as “últimas ordens” para integrar, para compor a chapa do impugnado, que fez a campanha e adquiriu a simpatia popular para o partido ou coligação.

A “jogada” é simples. Invariavelmente, o impugnado tem grande prestígio eleitoral e aceitação popular. Com isso, vai carregar seu “conceito” (entre aspas) até as últimas consequências. Na “hora H”, será substituído por outro nome menos expressivo eleitoralmente. E sai até como vítima dos adversários! No dia da eleição, não haverá mais tempo sequer para alterar a foto do impugnado na urna eletrônica e o eleitor é passado para trás votando em outra pessoa, mas que já teve o nome registrado no Cartório Eleitoral como candidato substituto.

SUBSTITUIÇÃO DO CANDIDATO

Pretendem os “espertos”, com base em uma interpretação da lei por nossos tribunais, substituir o candidato que renunciar após ter sido impugnado.

A substituição, no caso, poderia ocorrer até mesmo no dia da eleição ou em 24 horas antes da eleição. Assim, se algum candidato a prefeito ou vice-prefeito for declarado inelegível ou tiver seu registro negado pela Justiça Eleitoral para concorrer ao cargo majoritário nas eleições de 2012, o partido político poderá solicitar a substituição de seu nome até a véspera do pleito.

Porém, veja essa decisão do Tribunal Superior Eleitoral, n. 35.384, decorrente do Estado do Rio de Janeiro:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2008. REGISTRO DE CANDIDATURA. SUBSTITUIÇÃO. PRAZO. ARTIGOS 13, PARÁGRAFO 1° DA LEI N.° 9.504/97. FRAUDE. REEXAME DE FATOS E DE PROVAS. SÚMULAS Nº. 7/STJ E 297/STF. SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. NÃO PROVIMENTO.

A substituição prevista no art. 13, parágrafo 1° da Lei n°. 9.504/97, pode ser feita a qualquer tempo antes da eleição, desde que observado o prazo de 10 dias contado do fato ou da decisão judicial que deu origem ao pedido de substituição. Tal prazo, contudo, não flui na pendência de recurso de decisão que indeferiu o registro de candidatura. Precedente: REsp n°. 22.859/GO, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, PSESS em 18.9.2004.

Nesse contexto, concluo que como o então candidato Deraldo Romão ainda possuía recurso pendente de julgamento relativo ao indeferimento de seu registro de candidatura, era seu direito aguardar o julgamento de seu recurso, e como não ocorreu até o dia 04 de novembro de 2008, julgado parcialmente procedente o RESPE n.° 32.588, referente ao registro de candidatura do Sr. Deraldo Romão.

Esclarecendo a decisão, diz o tribunal que mesmo impugnado no juízo local, na Comarca de origem, o impugnado permanece candidato até o julgamento final do recurso na Justiça Eleitoral. Até o TRE se pronunciar ou, se for o caso, o Tribunal Superior Eleitoral apresentar seu veredicto final, permanecerá candidato. Isso demora muito tempo. Tempo suficiente para que se transcorra no mínimo 4 meses, a começar de 7 de julho próximo, prazo em que se esgotarão os registros e iniciam-se as impugnações.

Alerta-se, pois, para possíveis mazelas, possíveis fraudes nas substituições majoritárias às vésperas do pleito, quando o povo brasileiro, pensando em votar no candidato A, acaba por eleger o B. Em outra dimensão, o partido lança o A, candidato “bom de voto”, porém inelegível, para eleger o B, um rejeitado pelo povo. É o eleitorado enganado e votando no bom para eleger o mal.

Veja essa pérola, que acaba por premiar os fraudadores:

EMENTA: AGRAVOS REGIMENTAIS. RECURSO ESPECIAL. SUBSTITUIÇÃO. CANDIDATO. PREFEITO. MANUTENÇÃO. REGISTRO. VICE-PREFEITO. INDIVISIBILIDADE DA CHAPA.

1. Não encontra ofensa ao princípio da moralidade o fato de o candidato substituto concorrer com o nome, o número e a fotografia do substituído.

2. Tendo o órgão regional consignado que não houve indícios de renúncia fundamentada, ausência do reconhecimento de firma, formalidade prevista no artigo 64, § 1°, da Res. TSE n°. 22.717/08, por si só, não compromete o teor do documento.

3. O pedido de substituição formulada simultaneamente à apresentação de renúncia do candidato substituído não pode ser considerado intempestivo.

4. Agravos regimentais desprovidos (TSE, Recurso Especial decorrente do Pará, n°. 35.251)

Em oposição a toda a jurisprudência acerca da substituição do candidato 24 horas antes do pleito e a toda a legislação que defende tal situação, encontra-se o princípio da moralidade, onde, o ato de substituir o candidato sem que o eleitorado tome ciência de tal substituição não estar-se-ia dentro dos padrões morais e éticos defendidos pela nossa Carta Magna.

Uma corrente entende que o prazo seja de dez (10) dias antes do pleito, justamente para que a população possa tomar conhecimento do nome do substituto, em atenção, pois, ao princípio da moralidade insculpido na Constituição Federal, independentemente de que haja recurso para as instâncias superiores.

Tratando das eleições, Marcos Ramayana (2008, p. 35) afirma:

As eleições corrompidas, viciadas, fraudadas e usadas como campo fértil da proliferação de crimes e abusos do poder econômico e/ou político atingem diretamente a soberania popular tutelada no artigo 1°, parágrafo único da Constituição Federal, “Todo o poder emana do povo, que exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, ver, ainda os artigos 5°, LXXIII, 14, 27, 29, I a IV, 46, 60, § 4°, II e 61, §2°, todoas da Constituição Federal.

E ainda, assim complementa:

A garantia da lisura das eleições nutre-se de especial sentido de proteção aos direitos fundamentais da cidadania (cidadão-eleitor), bem como encontra alicerce jurídico-constitucional nos artigos 1°, inciso II, e, 14, § 9° da Lei Fundamental.

Ao tratar do princípio da moralidade, Alexandre de Moraes (2003, p. 308) citando Manoel de Oliveira Franco Sabino, expõe:

A Constituição Federal, ao consagrar o princípio da moralidade administrativa como vetor da administração Pública, igualmente consagrou a necessidade de proteção à moralidade e responsabilização do administrador público amoral ou imoral. Anota Manoel de Oliveira Franco Sobrinho:

“Difícil de saber por que o princípio da moralidade no direito encontra tantos adversários. A teoria moral não é nenhum problema especial para a teoria legal. As concepções na base natural são analógicas. Por que somente a proteção da legalidade e não da moralidade também? A resposta negativa só pode interessar aos administradores ímprobos. Não à Administração, nem à ordem jurídica. O contrário seria negar aquele mínimo ético mesmo para os atos juridicamente lícitos. Ou negar a exação do dever funcional”.

Desta forma, deve o Poder Judiciário, ao exercer o controle jurisdicional, não se restringir ao exame estrito da legalidade do ato administrativo, mas, sim, entender por legalidade ou legitimidade não só a conformação do ato com a lei, como também com a moral administrativa e com o interesse coletivo.

A substituição do candidato, mesmo que com a foto, número e nome do candidato substituído, encontra seus fundamentos legais nos artigos 64, parágrafo 4°, 65 e 66, da Resolução do TSE n°. 22 717/08, que assim rezam:

Art. 64. É facultado ao partido político ou à coligação substituir candidato que for considerado inelegível, renunciar ou falecer após o termo final do prazo do registro ou, ainda, tiver seu registro cassado, indeferido ou cancelado.

§ 4º Se ocorrer a substituição de candidatos ao cargo majoritário após a geração das tabelas para elaboração da lista de candidatos e preparação das urnas, o substituto concorrerá com o nome, o número e, na urna eletrônica, com a fotografia do substituído, computando-se-lhe os votos a este atribuídos.

Art. 65. Na eleição majoritária, o registro do substituto deverá ser requerido até 10 dias contados do fato ou da decisão judicial que deu origem à substituição.

Art. 66. Na eleição proporcional, a substituição só se efetivará se o novo pedido, com a observância de todas as formalidades exigidas para o registro, for apresentado até 10 dias contados do fato ou da decisão judicial que deu origem à substituição, observado o limite legal de sessenta dias antes do pleito.

Em 2006, o Tribunal Superior Eleitoral editou uma resolução que merece ser “ressuscitada”. Vejamos, pois, o que preceituam os arts. 50 e 51, da Resolução n. 22.156, de 2006, segundo os quais:

Art. 50. O partido político poderá requerer, até a data da eleição, o cancelamento do registro do candidato que dele for expulso, em processo no qual seja assegurada ampla defesa e sejam observadas as normas estatutárias.

Art. 51. Será facultado ao partido político ou à coligação substituir candidato que for considerado inelegível, renunciar ou falecer após o termo final do prazo do registro ou, ainda, tiver seu registro cassado, indeferido ou cancelado.

§ 1º O ato de renúncia, datado e assinado, deverá ser expresso em documento com firma reconhecida por tabelião ou por duas testemunhas, e o prazo para substituição será contado da publicação da decisão que a homologar.

§ 2º A escolha do substituto far-se-á na forma estabelecida no estatuto do partido político a que pertencer o substituído, e o registro deverá ser requerido até dez dias contados do fato ou da decisão judicial que deu origem à substituição.

A substituição do candidato nas 24 horas que antecedem as eleições não é ilegal, mas fere a soberania popular e a legalidade das eleições. “Sem esquecer de apontar que fere o princípio fundamental de nossa Carta Magna e que rege toda a administração pública, o princípio da moralidade, amplamente difundido em nosso ordenamento jurídico”, como sabiamente nos ensina Pazzagini Filho, em sua obra Eleições Municipais, 2008, São Paulo, Editora Atlas.

* Escrito pelo advogado e procurador Miguel Dias Pinheiro

 

 

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