Ex-Secretário de Segurança Pública do estado do Piaui, é condenado a 4 anos de prisão
O ex-secretário de Segurança Pública Antônio José Raimundo de Morais foi condenado pela Justiça Federal a quatro anos de detenção por crime previsto na Lei de Licitações. O ex-gestor é acusado de “fraudar, em prejuízo da Fazenda Pública, licitação instaurada para aquisição ou venda de bens ou mercadorias, ou contrato dela decorrente”.
A ação do Ministério Público Federal (MPF) também pedia a condenação de José Elias Tajra – do Grupo Antena 10 e do Grupo Jet, e ainda de José Luiz de Almeida Mesquita. Mas o juiz federal Francisco Hélio Camelo Ferreira reconheceu “extinta a punibilidade” contra Mesquita e Tajra “dado o decurso da prescrição da pretensão punitiva”. Ou seja, a Justiça foi inábil para julgar em tempo as supostas atitudes delitivas, dado o ano de ocorrência, 2002, e a possível idade dos denunciados, que faz reduzir o tempo de prescrição.
A ENROLADA
A “conduta delituosa” do trio, “sob persecução teria consistido, em essência, na suposta atuação dos acusados no sentido de frustrar ou fraudar o caráter competitivo da licitação mediante a realização de processo licitatório com a participação de apenas um licitante, assim como a conduta de fraudar licitação mediante a aceitação de proposta com preços superfaturados e a aceitação de produtos fornecidos com especificações diversas da que foi licitada”.
Os crimes que teriam sido praticados pelos beneficiados com extinção da punibilidade poderiam chegar a 8 anos de detenção, se as penas fossem aplicadas de forma acumulada e caso o magistrado entendesse que tais crimes realmente ocorreram em sua totalidade.
AS FRAUDES
As duas Tomadas de Preços realizadas ainda em 2002 referiam-se ao Convênio nº 069/2001, celebrado entre a União, por intermédio do Ministério da Justiça, e o Estado do Piauí, por meio da Secretaria de Segurança, tendo como objeto “aquisição de armamentos, viaturas, equipamentos para o Instituto de Identificação, Instituto Médico Legal e Instituto de Polícia Técnica, material de informática, no âmbito do Plano Nacional de Segurança”.
“Ao todo, foram repassados recursos federais no montante de R$ 2.284.800,00, sendo R$ 336.093,22 destinados ao reaparelhamento do IML e R$ 484.296,29 para a Polícia Técnica Científica e de Inteligência”.
Ocorre que auditoria realizada pela Controladoria Geral da União (CGU) “constatou inúmeras irregularidades”, como a inexistência de pesquisa de preços e compras superfaturadas em cerca de 300% na TP 007/2002 e 53,4% na TP 008/2002; incongruências nos itens entregues, eles eram diferentes da proposta e na fatura, no que tange à marca e modelo.
O CARNAVAL CONTINUA…
Pesa ainda uma nota técnica da autoria da Secretaria Nacional de Segurança que constatou a inexistência de planilha de custos, inexistência de comissão de recebimento de materiais, ausência de exame prévio do setor jurídico dos editais de licitação e dos contratos, não especificação do valor de cada bem, inexistência de contrato, não localização dos materiais adquiridos no IML, “à exceção de 3 mesas de aço com pia e 1 câmara de refrigeração”, e ainda indícios de superfaturamento e inexistência de pesquisa de preço.
“A JET Ltda. entregou uma balança de simples pesagem, quando o equipamento licitado era uma balança de precisão; uma lima murça, quando o equipamento licitado era um amolador de tesoura em aço inoxidável; um metro de madeira para balcão, quando o equipamento licitado era uma régua forçada para autópisa”, cita trechos da decisão.
“Tais divergências foram constatadas pela equipe de fiscalização da CGU, bem como pelos peritos federais, que apontaram também o prejuízo causado à Administração, já que os equipamentos fornecidos têm valor de mercado inferior ao que foi licitado e pago”, sustenta a decisão.
“Assim, diante deste denso e irrefutável acervo probatório, mostra-se perfeitamente demonstrada a materialidade do delito previsto no arti. 96, I, III e IV, da Lei 8.666/93 [Lei de Licitações], uma vez plenamente configurada a fraude às Tomadas de Preços (…), mediante a elevação arbitrária de preços, a entrega de uma mercadoria por outra e a alteração da qualidade da mercadoria fornecida, causando prejuízo à Administração”, pontua o magistrado.
SÓ A JET PARTICIPOU DA LICITAÇÃO
Durante o certame licitatório, três “firmas” compareceram para retirada do edital. “O representante das empresas SISMATECH e UNISCIENCE, Dorgival Ferreira de Sousa, afirmou em juízo que participou da licitação porque não trabalhava com os equipamentos mencionados nos editais”.
Já o representante da REMAC, Renato Frank, “afirmou em juízo que levou as propostas da empresa no dia da abertura da licitação, mas foi informado da anulação da licitação por interesse do órgão, não sabendo informar o nome de quem lhe passou essa informação. Complementou afirmando que viu pela imprensa que a JET havia vencido e que essa licitação obedeceu ao procedimento e às datas da licitação que havia sido informada como cancelada”.
Continua: “No caso, à prova testemunhal, consubstanciada no depoimento coeso do representante da REMAC, somam-se irregularidades praticadas pela JET durante a execução do objeto do convênio (que constituem o delito previsto no art. 96, I, III e IV, da Lei nº 8.666/93), configurando conjunto probatório suficiente do crime capitulado no art. 90, da Lei de Licitações, diante da evidente frustração do caráter competitivo dos procedimentos licitatórios com o intuito de beneficiar a empresa JET”.
Lei de Licitações
Art. 96. Fraudar, em prejuízo da Fazenda Pública, licitação instaurada para aquisição ou venda de bens ou mercadorias, ou contrato dela decorrente:
I – elevando arbitrariamente os preços;
II – vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada;
III – entregando uma mercadoria por outra;
IV – alterando substância, qualidade ou quantidade da mercadoria fornecida;
V – tornando, por qualquer modo, injustamente, mais onerosa a proposta ou a execução do contrato:
Pena – detenção, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
AVISO À ESPOSA DO SECRETÁRIO. DIZ ELA: ELE SABE O QUE FAZ
Ao passar à análise do elemento subjetivo da conduta, o magistrado destacou “que José Luiz (co-réu) afirmou ter sido orientado pelo então Secretário de Segurança Pública do Estado do Piauí, Antônio José Raimundo de Morais, a não realizar a pesquisa de preços porque tal procedimento já teria sido feito pela gestão anterior [a de Carlos Lobo] e ele (o Secretário) tinha pressa em realizar a licitação porque os preços estavam se defasando. O co-réu cita que diante do comparecimento de apenas um licitante, instou a esposa do Secretário e ela, mais uma vez, destacou que ele (Secretário) sabia o que estava fazendo”.
CEGUEIRA DELIBERADA
“Na esteira dos recentes julgamentos, invoco a teoria da cegueira deliberada para, diante das circunstâncias do caso em comento (o agente tinha consciência da exigência legal da pesquisa de preços, bem assim teve conhecimento da existência de apenas um licitante, e preferiu dispensar sua realização) chegar à conclusão de que o acusado Antônio José Raimundo de Morais, ao dispensar a pesquisa de preços, assumiu o risco de produzir o resultado danoso (dolo eventual) e permitiu a fraude às licitações (…), mediante a elevação arbitrária de preços”, consubstancia o juiz.
CONDENAÇÃO
Por fim, o magistrado condenou Antônio José Raimundo de Morais pela prática de crime previsto no artigo 96, I, da Lei de Licitações, com 3 anos de detenção e, por ocupar cargo público, de comissão, a pena foi acrescida em 1/3, passando a quatro anos de detenção, a ser cumprida inicialmente em regime aberto.
Logo em seguida substitui a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, que são prestação de serviços à comunidade, pelo prazo de 1.460 hora de tarefa, e prestação pecuniária de 05 salários mínimos em favor de instituição beneficente.
Também foi fixado pena de multa em 120 dias-multa, cujo valor unitário, “em razão da situação econômica do acusado, arbitro em 1/2 (meio) salário mínimo, vigente à época do fato, a ser paga em até 10 dias a contar do trânsito em julgado desta sentença”.
OS HISTÓRICOS DA MÁ SEGURANÇA
– Houve superfaturamento em duas Tomadas de Preços, uma no patamar de 300% e a outra de 53,4%
– Denúncia do MPF foi fundamentada em inquérito da Polícia Federal e laudo da Controladoria Geral da União (CGU); contou também com nota técnica da Secretaria Nacional de Segurança Pública
– José Elias Tajra foi denunciado pelo MPF, mas o juiz federal extingiu a punibilidade por prescrição do prazo
– Valores eram destinados ao reforço da Segurança Pública do Piauí, ainda, reaparelhamento do IML e reforço da Polícia Técnica Científica e de Inteligência, voltadas para trabalho técnico e/de investigação
– Dos R$ 2.284.296,29 repassados, R$ 336.093,22 foram destinados ao reaparelhamento do IML e R$ 484.296,29 para a Polícia Técnica Científica e de Inteligência
– Dinheiro era proveniente do Ministério a Justiça
Por Rômulo Rocha