Dívida dos Estados com a União é tema do V encontro de Auditores Fiscais
Um dos temas de interesse público tratado durante o V Encontro Regional dos Auditores Fiscais da Fazenda Estadual do Piauí, ocorrido na última quinta e sexta-feira (24 e 25-05), foi como o sistema de pagamento da Dívida Pública está afetando os Direitos Sociais dos brasileiros.
Durante o evento, a Coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lúcia Fattorelli, que é uma das maiores especialista sobre o tema na América Latina, ressaltou a urgência de investigar essa dívida, por meio da Auditoria da Dívida Pública, que é um instrumento Constitucional que pode revelar toda a verdade para a sociedade. “A Auditoria Cidadã da Dívida é uma luta e um movimento social que pretende investigar o endividamento público no país, sou seja, mostrar como que esse processo de endividamento, ao invés de aportar recursos para os Estados e para o país, está funcionando como mecanismo de extração de recursos”, afirma Maria Fattorelli.
Ela ainda comenta que o fato do sistema da dívida ser dominado pelo setor financeiro, esse processo é permeado por mecanismos meramente financeiros, que incluem cobranças indevidas, com a taxa de juros sobre juros, dentre outras irregularidades. “Por isso defendemos uma auditoria completa para que essas ilegalidades sejam segregadas e a sociedade tenha que arcar somente com aquela dívida que realmente for devida, e essas partes ilegais e ilegítimas sejam segregadas e revistas”, enfatiza a coordenadora.
Se os Estados também realizassem essa auditoria, ela ressalta que seria possível identificar qual a origem dessa dívida, desde o início, quem tomou esses empréstimos, ou seja, fazer um mapeamento da origem da dívida, para depois analisar essa evolução ao longo do tempo, inclusive identificando as elevadas taxas de juros, e finalmente produzir um relatório de auditoria para que, posteriormente, cada Estado possa adotar ações concretas. Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Espírito Santo, por exemplo, já formaram comissões especiais nas respectivas Assembléias Legislativas, com o objetivo de obter esses dados sobre a dívida e ainda envolver a sociedade nessa discussão.
Maria Lúcia Fattorelli também reconhece a importância do trabalho dos auditores fiscais dos Estados nesse processo.
“É um trabalho muito importante, ele pode contribuir com essa importante atuação cidadã, aberta à sociedade, investigando, especialmente, esse processo do endividamento público que, apesar de todos os pagamentos, está travando o país, principalmente, por ser um endividamento público sem contrapartida real, conforme as investigações têm demonstrado”, enfatiza.
Durante a palestra de abertura do encontro, ela falou sobre “Dívida Pública-uma questão de Cidadania”. E, no dia seguinte, também ministrou palestra sobre “Análise da Dívida Pública Federal e Estadual-Auditoria da Dívida”. Fattorrelli é auditora Fiscal da Receita Federal aposentada.
União investe 45,05% do orçamento com o pagamento de juros e amortização Dívida
Durante a palestra, a coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida apresentou um gráfico que demonstra a desproporcionalidade dos investimentos do governo federal nas áreas sociais, como saúde e educação, em relação ao volumoso montante de recursos destinados para o pagamento da dívida. O que mais chama a atenção nesse gráfico é que o pagamento de juros e amortizações da Dívida consome quase a metade dos recursos da União.
Segundo dados do Orçamento Geral da União de 2011, esse pagamento de juros e amortização da dívida corresponde a 45,05% do orçamento, o que equivale a R$ 708 bilhões do total de R$ 1,571 trilhão dos recursos do orçamento da União do ano passado. Por outro lado, o percentual que foi investido na saúde foi de 4,0 %, sendo que na educação foi ainda menor: 2,99%.
Portanto, no entendimento da palestrante, a dívida pública é o centro dos problemas nacionais, uma vez que a política econômica do país está orientada para privilegiar o pagamento de juros e amortizações dessa dívida.
Diante dessa realidade, ela ressalta que quem termina sofrendo é a população. “No fim das contas, quem está assumindo o ônus dessa dívida é o cidadão, de duas formas: com a carga tributária no Brasil, que é altíssima; e ainda não tendo o devido retorno, quando este cidadão procura os serviços públicos, seja na área da saúde, educação, moradia ou transporte públicos. Quantos brasileiros estão aí vivendo ao relento num dos países mais ricos do mundo (Brasil). Alguma coisa está muito errada e não pode continuar assim”, alerta a auditora da Receita Federal aposentada.
Ela afirma que o setor financeiro está absorvendo as nossas riquezas, sem apresentar uma contrapartida real. “E à medida que a sociedade não se envolve coisas absurdas vão acontecendo, como o recente empréstimo do Piauí com o Banco Mundial para pagar dívida com a União. Como é que pode um ente estrangeiro, um organismo multilateral, oferecer condições mais vantajosas para o Estado do que a própria União. Como é que fica o debate sobre o federalismo no país, que está no artigo 1º da nossa Constituição Federal”, questiona.
Maria Fattorelli acrescenta que esse assunto (dívida) é muito importante, e, embora possa parecer que é apenas uma discussão sobre finanças, é um debate sobre a realidade financeira e seus impactos na sociedade. “É um debate que deve contar com a participação do cidadão porque também queremos derrubar o mito, o equívoco, de que esse é um tema para especialistas, pois não é apenas. Todo cidadão deve procurar entender e se apoderar dessas informações, visando exigir, dos parlamentares e das pessoas que ocupam cargo de poder, o enfrentamento dessa situação para que possamos mudar essa realidade no Brasil, e, tenhamos, de fato, as nossas riquezas empregadas em benefício de todo nosso povo”, destaca Fattorelli.
NÚMEROS DA DÍVIDA DO BRASIL:
DÍVIDA INTERNA
Já supera R$ 2,5 trilhões
DÍVIDA EXTERNA
US$ 402 bilhões (R$ 692 bilhões)
DIVÍDA BRASILEIRA
R$ 3,2 trilhões, corresponde a 78% do PIB
FEBRAFITE defende o Refazimento da Dívida
Para o representante da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (FEBRAFITE), João Pedro Casarotto, os contratos das dívidas dos Estados com a União devem ser refeitos. Esse refazimento defendido pela federação, incluí os seguintes aspectos: o recálculo dos planos de amortização da dívida; a proibição da cobrança de juros; a proposta de desindexado ou troca do IGP-DI pelo IGPA; além da inclusão da claúsula contratual e constitucional que considera o equilíbrio econômico e financeiro dos Estados.
Segundo Casarotto, o exame geral que a FEBRAFITE fez sobre o conjunto de contratos da dívida dos Estados com a União, sem considerar o detalhamento por unidade, uma vez que não teve acesso aos dados individuais de todos os Estados, revela cláusulas contratuais leoninas, draconianas, abusivas em relação ao contrato dessa dívida. “Estamos propondo que o governo federal faça um acordo político com os Estados, e por sua vez, que os Estados pressionem o governo federal para que este reconheça que o contrato da dívida foi algo malfeito, que prejudica a federação. Por isso, estamos propondo que ocorra um refazimento dos contratos, que reconstitua essa dívida em termos descente, considerando a federação”, enfatiza o palestrante.
Ele acrescenta que o que o governo federal fez com os Estados foi um empréstimo, como se fosse um banqueiro qualquer, considerando uma operação bancária comum. “Isso não se justifica, enquanto o banco BNDES, por exemplo, empresta dinheiro a 5% ou 6% ao ano, fixo, sem juros ou correção monetária, a União emprestou para os Estados, na época, cobrando juros de 6 ou 7,5% mais IGP-DI, que é um índice altíssimo, acima da inflação. E os detalhes são draconianos e perversos, algumas minúcias dos contratos, com por exemplo, a questão dos juros nominais de 6%, só essa palavra alavanca juros de 6% para 6,17%”, explica o representante da FEBRAFITE.
Além de ser uma típica operação bancária, ele destaca que a assinatura do contrato da dívida com a União foi feita no momento que os Estados estavam fragilizados por conta de políticas econômicas determinadas pela própria União, ou seja, foi a própria política econômica que a União implementou que fez com que esses Estados estivesse numa situação muito grave. “E ao invés de resolver o problema que induziu os Estados a passarem por isso, a União nos transformou em eternos dependentes, considerando o tipo de contrato assinado. Identificando isso, estamos propondo o refazimento de todo o processo e não a renegociação, ou seja, é preciso reconhecer que o contrato da dívida foi malfeito, que ele prejudica a federação e a própria população brasileira, afinal de contas, são valores expressivos que não deveriam estar mais indo para a União, e sim poderiam estar sendo aplicados nos Estados”, destaca.
João Casarotto afirmou que essa é uma luta que não depende apenas da Federação, mas de um grande acordo político, que incluí a participação dos cidadãos. Ele ressalta que em muitos Estados já existe um movimento muito forte, inclusive encabeçado pela própria UNIÃO DOS LEGISLATIVOS ESTADUAIS (UNALE), que promove reunião no país inteiro para discutir o tema. “Isso se resolve politicamente, e os parlamentares dos Estados estão desempenhando bem esse papel, conversando e debatendo. E esse debate também tem que chegar na Câmara Federal e, principalmente, no Senado, já chegou mas muito timidamente, até porque as duas iniciativas são do governado federal, tentando acabar com a polêmica e fazendo ofertas piores das que existem hoje. Como o Congresso Nacional se mexe pouco, devido à base parlamentar, há necessidade de que a sociedade também se mobilize”, enfatiza.
Casarotto também é Fiscal de Tributos Estaduais aposentado do Rio Grande do Sul. Durante o evento, ele abordou o tema “A Dívida dos Estados com a União-Proposta de Refazimento”.
“Redução da dívida permite mais investimento nos Estados”
Segundo o presidente da AAFEPI/SINAFEPI, Philippe Salha, responsável pela organização do encontro, a redução da dívida permite que os Estados aportem mais recursos para investimentos. “Reduzindo a dívida pública, consequentemente, sobra mais recursos dentro da Receita Corrente Líquida (RCL), o que poderá beneficiar os servidores públicos, assim como permite sobrar muitos recursos para investimentos. Esse encontro tratou dessa e de outras questões relacionadas aos interesses dos auditores fiscais, servidores públicos e do Estado”, ressalta Philippe.
Além da questão da dívida, também foram discutidos outros temas como: “A Situação dos Aposentados com a PL 1992”, cujo palestrante foi o Diretor de Aposentados da Federação Nacional do Fisco (FENAFISCO), Marco Aurélio Garcia; e “Os processos em Tramitação no Congresso e a participação Política”, assunto abordado pelo Diretor de Assuntos Parlamentares da FENAFISCO, Rogério Macanhão.
Secretário de Fazenda é homenageado durante o encontro
O secretário estadual da Fazenda, Silvano Alencar, foi homenageado durante o encontro regional dos auditores fiscais do Piauí. “Essa é a mais justa homenagem que podemos fazemos, porque o secretário de Fazenda, Silvano Alencar, vestiu a camisa do Estado do Piauí, ele não vestiu a camisa de uma categoria”, afirma Feliphe Salha.
O secretário manifestou o sentimento de gratidão pela homenagem. “Muito obrigado mesmo, porque, daqui para frente, essa placa será multiplicadora das minhas energias para continuar trabalhando em defesa do nosso Estado e da Secretaria Estadual da Fazenda do Piauí. Só Deus é capaz de medir a emoção que estou sentindo nesse momento”, enfatiza Silvano
O secretário ainda fez questão de destacar o trabalho que os auditores fiscais têm prestado para ajudar a desenvolver o Estado. “Deus foi tão bom comigo, que me colocou, por duas vezes, ocupando cargo político no Estado, e ainda sou grato pela oportunidade de estar administrando a Sefaz, que é a mais organizada e alterosa secretaria, e é aquela que responde, com certeza, pela espinha dorsal de sustentação das políticas públicas do Estado do Piauí. Sou muito feliz por estar com secretário e mais feliz ainda por ter construído esse grupo de amigos extraordinários na Sefaz”, comenta.
Durante a homenagem, o presidente da AAFEPI/SINAFEPI, ainda lembrou que o estado do Piauí continua batendo recorde de arrecadação própria. “Só nos quatros primeiro meses do ano, já passamos mais de R$ 800 milhões de arrecadação, o que significa uma média de mais de R$ 200 milhões mês, um recorde absoluto”, frisa Salha.